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sábado, 24 de outubro de 2009

O Adeus do Homem Mau

Jazia o corpo inerte na cama, apenas aos globos oculares brancos que nem cal se mexiam. Já havia dias que o diabo puxava o seu corpo em direcção às chamas do Inferno. De um lado da cama, as suas duas filhas, Ana e Joana, ordenadas da mais nova para a mais velha mas só com diferença de dois anos, torciam azarentas pela sua morte, e do oposto lado da cama rezava o padre Alfredo, agarrado em fé a uma cruz. Jorge, homem rico, dono de tudo quanto os olhos poderiam avistar em Trancoso, definhava agora perante as filhas sedentas pela sua abastada riqueza que lhes seria trespassada assim que morresse e pelo padre que ansiava por mais um funeral para alimentar a sua paróquia.
A tosse teimava em mantê-lo acordado, trazia-o de volta do outro mundo cada vez que fechava os olhos. Haveria de pagar em morte os pecados da vida terrena porque Deus não reservou certamente um lugar no céu para tamanho pecador. Habitaria então, assim que a sua vida terminasse, um sítio que, segundo dizem, está cheio de boas intenções.
A voz rouca adivinhava as últimas palavras do doente homem: «Tanta dor nem dá direito a ver a luz... para a próxima vou em primeira classe...», os olhos reflectiram a cara dos tiranos mesmo antes de fecharem para não abrirem mais.



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Post-It Amarelo Amarrotado

Se tivesse uma máquina de escrever não tinha um blog!